Durante 15 dias, paisagens incríveis, cultura e muitos animais, exploramos a Rota Pantanal Bonito no Mato Grosso do Sul

O Pantanal sempre habitou o meu imaginário. Talvez em parte pela icônica novela homônima dos anos noventa e as histórias bem contadas e cantadas do folclore pantaneiro. As histórias da onça, das grandes comitivas, da vida em estado mais bruto. Mas sobretudo porque o Pantanal era para mim o ponto cuminante de um mundo boiadeiro que sempre esteve presente na minha vida. Um lugar onde a natureza pujante exerce sua força apesar do homem.

A região é um dos biomas mais bem preservados do planeta. Resiliente à pecuária extensiva que toma conta de quase tudo ao seu redor, as imensas planícies alagáveis e pouco acessíveis configuram uma barreira natural à ocupação desenfreada. Enchentes inesperadas cobram a conta de quem se aventura além do limite. Centenas de espécies de aves, mamíferos, répteis, anfíbios e peixes encontram ali um habitat perfeito.

Descobrimos em nosso giro pela Rota Pantanal Bonito que ele não é apenas um, são muitos. Existem diferentes facetas e tempos. Se encontramos o rio Aquidauana comportado dentro do leito, com seus barrancos e praias a vista,  no Rio Paraguai entendemos o mundo das águas. Se em Miranda conhecemos fazendas produtivas e dormimos em solo firme, no Passo do Lontra encontramos áreas alagadas e dormimos sobre palafitas. Em Corumbá vivemos o universo da pesca esportiva e dos grandes peixes de água doce, em Bonito desfrutamos das flutações em águas cristalinas. Se num canto tamanduás-bandeira e cervos do pantanal são figuras fáceis, noutro ariranhas e pintados o são.

Neste cenário de belezas e encantos nos embrenhamos com as crianças por lugares icônicos da Rota Pantanal Bonito. Confira nossos passos:

Aquidauana

Nem bem havia o sol raiado quando levantei com o som escandaloso de uma ave que até aquele momento eu desconhecia. Elas pareciam ter escolhido a nossa janela para se exibir. Eram arancuãs, ave típica do Pantanal, sem grandes dotes estéticos, mas com uma garganta poderosíssima! Caminhei até entrada da Pousada Aguapé, a cerca de 60 quilômetros de Aquidauana. Havia sido a nossa primeira noite no Pantanal. Eu percebi uma movimentação na folhagem de uma palmeira alta a poucos metros de mim, e como se fosse qualquer coisa cotidiana, pelo menos uma dúzia de araras canindé deixaram o ninho para iniciar suas atividades matinais. Alguns funcionários da pousada já preparavam o café da manhã e a infra-estrutura dos passeios. Um senhor já bem vivido, de poncho e chapéu, de fala calma e conhecimento de causa, me disse que devagarinho elas estavam matando a palmeira. Com o peso, pouco a pouco elas estavam derrubando as folhas. Apontou um tronco pela metade de uma palmeira vizinha, a antiga residência do bando. Era o seu Guedes, um pantaneiro legítimo, nascido e criado na região de Nhecolândia, que trabalhou justamente na fazenda onde foi gravada a icônica novela Pantanal no início dos anos 90 e tocava viola com Almir Sater. Seu Guedes me mostrou um instrumento peculiar que ele mesmo construiu, uma espécie de cuíca, com um tronco oco de Carandá e pele de vaca. Era o “chamador de onça”. Não fosse a navegação que faríamos logo após o café pelo Rio Aquidauana, eu poderia ter ficado boas horas batendo papo com aquela figura cheia de histórias.

Descobrimos em Aquidauana que o Pantanal é de certa forma a nossa África. Possivelmente é o único lugar no continente onde a observação de animais pode ser um objetivo em si. Há safaris no Pantanal! Provavelmente por suas características naturais de inacessibilidade em gigantescas áreas, o Pantanal preserva uma quantidade enorme de vida selvagem convivendo em paralelo com a pecuária extensiva.

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Miranda

Nós sabíamos que não seria fácil avistá-la, mas quando começa-se a rodar pelo Pantanal, logo somos dominados pelo desejo de encontra-la! Ela, personagem folclórico, presente em nossas vidas através de ditados e histórias antigas, não é é apenas uma poderosa imagem, ela é real. A onça pintada, terceiro maior felino do mundo, reina absoluta por aquelas áreas alagadiças. É o topo da cadeia. Ela, que já foi quase extinta pela ocupação humana, agora está virando o jogo. Graças a um trabalho consciente de preservação ao longo dos últimos anos, a onça pintada agora é estrela. Nesse clima de expectativa embarcamos em um dos carros da Fazenda San Francisco para fazer a focagem noturna dos animais.

A noite o comportamento dos bichos muda, as aves quase se calam, pequenos mamíferos procuram abrigo. Há um estado de alerta. Ao longo do caminho pelos canais de irrigação da Fazenda San Francisco vimos muitos daqueles que já havíamos encontrado de dia. O grande cervo do pantanal, tamanduás-bandeira, bandos de capivaras e incontáveis jacarés… e nada dela. Eu já nem nutria mais muitas esperanças, mas mesmo assim acompanhava atento o feixe de luz varrendo freneticamente os campos de um lado para o outro. De repente, numa fração de segundo, o contorno de uma cabeça grande e orelhas atentas não deu margem a dúvidas. Era ela. Paramos e então finalmente pudemos observar, ainda que por pouco tempo, a onça em toda sua graça.

A nossa passagem por Miranda começou alguns quilômetros antes de chegarmos à cidade. Na Fazenda Hi-Fish saímos para uma cavalgada com os meninos e o Coquinho, boiadeiro experiente. Em meio a centenas de bacuris, uma palmeira de média estatura típica do Pantanal, um pequeno lago com alguns jacarezinhos surgiu e o nosso guia resolveu nos mostrar um pouco da habilidade pantaneira de se atravessar águas cavalgando. Até aí, sem grandes novidades, mas quando de repente o Teco vira e diz que queria ir também, não pudemos dizer outra coisa que não fosse; Coquinho, você leva? E então o nosso pequeno corajoso mergulhou pela primeira vez na água no lombo de um cavalo.

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Corumbá

Tínhamos pouco além de 3 horas de luz para navegar Rio Paraguai em busca do enorme cruzeiro Kayamã. O barco havia deixado o porto Corumbá 4 dias antes e vinha descendo o rio com um grupo de turistas de pesca desde então. Partimos em uma pequenina lancha de 5 lugares. Íamos eu, Vivi, os meninos e o Laurindo, um piloteiro experiente. Apesar da trepidação inicial em função do vento que agitava as águas do rio, foi uma navegação memorável. A medida que o sol baixava, o vento cedia e a água alisava até que o rio se tornou um espelho. Logo antes de escurecer paramos para reabastecer o tanque com um galão que trazíamos a bordo. Uma nuvem inacreditável de mosquitos surgiu e me parecia impossível seguir na velocidade em que estávamos com o bombardeio de insetos que passou a nos atingir quando retomamos. Porém, quando o sol mergulha no horizonte, também os mosquitos dão trégua, e então uma meia lua crescente no céu marcando a silhueta da espetacular Serra do Amolar nos colocou de volta em estado de prazer até que avistássemos finalmente o nosso hotel flutuante. Foram pouco mais de 4 horas rio acima e ao menos 150 quilômetros percorridos pelas curvas do Rio Paraguai. Interceptamos o Kayamã navegando, havia uma expertise total para a atracação em movimento.

A vida a bordo de um cruzeiro de pesca começa cedo. Bem antes do sol raiar a tripulação já está em plena atividade. Junto com o Kayamã viajavam naquela ocasião pelo menos 15 pequenas lanchas. A maioria estava acoplada nas duas laterais do barco, as restantes seguiam pela água, amarradas na popa larga do barco. Para cada lancha havia um piloteiro cuidando da infra-estrutura para a pescaria da manhã. Cada uma delas é preparada para sair com uma dupla de pescadores, mas no nosso caso fomos os quatro. Logo após o café da manhã deixamos o Kayamã ancorado a uma das margens do rio e seguimos navegando pelos corixos. Os corixos são canais estreitos que ligam baias e outras áreas alagadas ao rio e geralmente reservam bons cantos de pesca. Para nós foi uma experiência totalmente nova, e até mais do que eu esperava, gostamos muito. Os meninos, em especial o Cauê, já com força suficiente para manejar a vara, ficou entusiasmado com as piranhas que pescou e que logo em seguida viraram sashimi nas mãos do Márcio, o nosso piloteiro. De resto, pintados e cacharas, lindos, voltaram pra água. Dentro do azar deram sorte!

Mais ou menos entre as cidades de Miranda e Corumbá, há um lugar às margens do rio Miranda chamado Passo do Lontra. Lá conhecemos um Pantanal que até então não havíamos experimentado. Um Pantanal alagado, pouco acessível, sem fazendas. Nos hospedamos no Hotel Passo do Lontra, um hotel quase totalmente construído sobre palafitas. Tão logo chegamos partimos para uma navegação rio acima. Centenas e mais centenas de aves, jacarés de todos os tamanhos, famílias de capivaras e alguém que ainda não havíamos encontrado; as ariranhas. A noite voltamos ao rio para uma focagem noturna. Considerando o nível de isolamento do lugar e a intensidade da vida selvagem, confesso que embarcar na pequena lancha com os meninos me deixou um pouco apreensivo. O rio não é a maior das preocupações, já que são nas margens que vivem realmente os maiores predadores. Não encontramos nada de especial, mas os dez ou quinze minutos que passamos com motores e luzes desligados, apenas flutuando sob o céu absolutamente estrelado rio abaixo, valeram a noite. A cada minuto que se contempla os sons da floresta, mais e mais vozes se tornam perceptíveis. O que era silêncio é na verdade uma gigantesca orquestra sinfônica.

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Serra da Bodoquena e Bonito

Chegamos cedo na Nascente Azul, fomos os primeiros. Nos equipamos com as roupas de borracha de 5 milímetros e partimos para uma breve trilha até onde tudo começa na história do Rio Bonito; a sua nascente de águas calmas e absurdamente cristalinas. Logo que as águas das chuvas vencem as camadas de folhas secas e matéria orgânica, vagarosamente penetram no solo, abrindo fissuras e entalhando caminhos nos imensos blocos de rocha calcária. Quando encontram os lençóis freáticos, elas correm subterrâneas carregando consigo grandes quantidades de carbonato de cálcio até que, quando finalmente emergem em uma nascente, dão origem a um espetáculo da natureza. O que acontece em rios como o Bonito é que o calcário presente na água gruda em qualquer partícula suspensa, tornando-as pesadas e afundando. Na prática, tudo que não está vivo no rio é calcificado. A visibilidade chega a dezenas de metros, é mais cristalina que a piscina mais limpa do clube!

Caimos na água com os meninos e a flutuação que fizemos entre cardumes de piraputangas, curimbas e outras tantas espécies de peixes e plantas aquáticas foi de uma riqueza de cores equivalente a alguns dos melhores mergulhos que já fizemos no mar. A tarde seguimos para o Barra do Sucuri, outra pintura. Vestimos de novo as roupas de borracha, embarcamos num barco a remo e remamos cerca de 40 minutos Rio Sucuri acima até o ponto onde começaríamos a atividade. Entramos na água e por outros 40 flutuamos a favor da correnteza naquela água incrivelmente transparente, lotada de peixes e gelada! No rio os peixes são maiores, a natureza é mais intensa. Encontramos outros muitos cardumes de piraputanga maiores, pacus e um ou outro dourado. Faltou só a sucuri…

Muito próxima de Bonito fica a Serra da Bodoquena, que de certa forma encerra ao sul o Pantanal. Na pequena cidade de mesmo nome, nos hospedamos na Casa de Campo, pousada de um português atencioso e dedicado, o Pedro, que assumiu a tarefa de encabeçar a recém criada Rota Pantanal Bonito. Na esteira bem sucedida da organização turística de Bonito, a associação busca entre outras coisas, fortalecer os laços entre os diferente destinos, hospedagens e atrações ao longo da rota pelo Pantanal Sul.

Como derradeira atividade antes de seguir de volta pra casa, visitamos o Buraco das Araras, uma dolina imensa onde pouco a pouco, graças ao trabalho de seu Modesto, o espirituoso proprietário da área, bandos de araras-vermelhos repovoam aquilo que fora outrora seu habitat. A saber; dolinas são, a grosso modo, depressões no solo causadas pela dissolução das rochas calcárias abaixo da superfície, causando uma espécie de colapso. O Buraco das Araras é uma dolina ovalar com 140 metros de diâmetro na parte mais larga e mais de 60 metros de profundidade.

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